2 de julho de 2008

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. Primeira Parte: do Batismo no Jordão à Transfiguração.

Em Jesus de Nazaré, Joseph Ratzinger procura mostrar a figura central do cristianismo, Jesus de Nazaré, a partir de um ponto principal: o retrato do Jesus dos Evangelhos, tal como viveu sobre a terra, trazendo Deus ao homem, e a partir de Deus, a imagem correta do homem.

A imagem de Jesus, em Jesus de Nazaré é construída a partir da sua comunhão com o Pai, sem a qual nada se pode compreender a seu respeito. Um outro ponto de apoio do autor é a unidade da Escritura como um dado teológico: o Antigo e o Novo Testamento pertencem um ao outro e Jesus Cristo é a chave do conjunto que dá unidade, pressupondo uma decisão de fé que traz junto a si uma razão histórica.

Definindo sua obra não como um ato magisterial, mas fruto de sua busca pessoal pelo rosto do Senhor (Sl 27,8), o autor pede em seu prefácio um adiantamento de simpatia, para uma maior liberdade de compreensão da figura única de Jesus de Nazaré.

De forma introdutória, J.Ratzinger lança um primeiro olhar sobre o mistério de Jesus, traçando um paralelo entre Ele e Moisés. Em Jesus, cumpre-se a promessa do novo Moisés: Ele vive na mais íntima unidade com o Pai, não apenas como “amigo”, mas como “Filho”, e que por isso pode dar a conhecer o Pai (cf. Jo 1,18; Jo 14,9).

Os capítulos 1 e 2 tratam, em uma visão de conjunto, do batismo de Jesus no Jordão por João Batista e das tentações de Jesus, respectivamente. No batismo, João o apresenta como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, iluminando o mistério do batismo cristão a partir do seu caráter teológico a partir da cruz. A descida do Espírito Santo sobre Jesus, fruto imediato do batismo institui formalmente o seu ministério. A partir de então, Jesus está definitivamente subordinado à sua missão salvadora e é levado pelo mesmo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio (Mt 4,1): é uma luta pela sua missão contra as deturpações desta missão: “A missão consiste em descer aos perigos do homem, porque só assim pode o homem caído ser levantado: Jesus (isso pertence ao cerne da sua missão) deve penetrar no drama da existência humana, atravessá-la até seu último fundo, para encontrar a ovelha perdida, coloca-la em seus ombros e leva-la para casa” (p. 40).

O capítulo 3 contempla o início do anúncio do Evangelho por parte de Jesus, e o centro deste anúncio é o Reino de Deus, que está “próximo” (Mc 1,14s). O autor explica o Reino em três dimensões a partir dos Padres da Igreja:

- dimensão cristológica: Jesus como o Reino de Deus em pessoa – “autobasiléia”;
- dimensão idealista ou mística: vê o Reino essencialmente na interioridade do homem;
- dimensão eclesiológica: que vê o Reino próximo à Igreja, mas colocados de um modo
distinto um em relação ao outro.

O tema do Reino de Deus só é compreendido a partir da totalidade da pregação de Jesus, que tem Deus como centro. Mas precisamente porque Jesus é o Filho, “toda a sua pregação é mensagem do seu próprio mistério, a cristologia, isto é, discurso acerca da presença de Deus na sua própria ação e no seu próprio ser” (p. 70).

No capítulo 4 - o Sermão da Montanha – vamos encontrar o conteúdo da pregação de Jesus desenvolvido em profundidade, e dividido em duas partes: as bem-aventuranças, e a Tora do Messias. Destaca-se a esta altura o comentário do autor a respeito da obra que trata do “diálogo” do rabino e crente judeu Neusner com Jesus (A Rabbi talks with Jesus. An Intermillenial interfaith exchang . Doubleday, 1993). No Sermão da Montanha, Jesus não está entre nós como rebelde ou liberal, mas como o intérprete e profeta da Tora, que a cumpre “na medida que indica à razão que atua historicamente o seu lugar de responsabilidade” (p. 120).

A Oração do Senhor, o Pai-Nosso, ocupa o capítulo 5 de Jesus de Nazaré, sendo apresentado como a verdadeira forma de rezar. No Pai-Nosso rezamos ao Pai a partir da comunhão com Jesus: com Cristo ao Pai pelo Espírito Santo (oração trinitária).

Os capítulos 6 e 7 ocupam-se de dois temas bíblicos importantes: os discípulos (cap. 6), e a mensagem das parábolas (cap. 7), dividido este em duas partes: essência e finalidade das parábolas e as três grandes parábolas de S.Lucas – a história do samaritano (Lc 10,25-37); a parábola dos dois irmãos (Lc 15,11-32); e a narração sobre o homem rico e o pobre Lázaro (Lc 16,19-31).

Em seu capítulo 8, J.Ratzinger volta nossa atenção para um olhar mais atento ao Evangelho de S. João. Nele, não ouvimos parábolas, mas grandes discursos simbólicos que vão traçando o caminho de Jesus até Jerusalém, em uma cristologia explícita e bastante desenvolvida, onde a divindade de Jesus aparece claramente. As quatro grandes imagens encontradas no quarto evangelho são trabalhadas teológica e liturgicamente, ligando esse caminho de Jesus com as grandes festas judaicas. Essas imagens sacramentais são: a água, a videira e o vinho, o pão e o pastor. Neste sentido, os próprios discursos de Jesus remetem para o “sacramento” (p. 208).

A confissão de Pedro e a Transfiguração de Jesus são os dois temas do capítulo 9, colocados como importantes balizas no caminho de Jesus e dos discípulos. É, de fato, aqui que Jesus põe a pergunta sobra a sua pessoa e a sua missão (Mc 8,27-30; Mt 16,13-20; Lc 9,18-21) e que, através da sua transfiguração “explica e aprofunda a confissão de Pedro e ao mesmo tempo faz sua ligação com a morte e a ressurreição de Jesus (Mc 9,2-13; Mt 17,1-3; Lc9,28-36)” (p. 247).

O último capítulo da obra (capítulo 10), trata das auto-afirmações de Jesus, das auto-designações de Jesus que encontramos nos Evangelhos: “o Filho do homem”, “Filho de Deus” e “Eu Sou”. São palavras em que Jesus simultaneamente oculta e desvenda o seu mistério, mostrando ao mesmo tempo seu enraizamento no Antigo Testamente e sua originalidade na qual aparece como de importância central a palavra “Filho”, que corresponde à aclamação “Abba-Pai” (p. 298).

Em Jesus de Nazaré, o autor nos coloca sobretudo em contato com o rosto bíblico de Jesus, para a partir dele, nos por a caminho no discipulado. Esse é o caminho da glória, mas que passa necessariamente pela cruz, convidando-nos a percorrer o caminho do conhecimento do Senhor em nossas vidas, a partir da figura central do homem Jesus, que a primeira comunidade soube acolher em toda a sua novidade própria, confessando-o Senhor e Cristo.

Pe. Magnus Camargo
Mestrando em Teologia – PUC/RS

Nenhum comentário: